terça-feira, 3 de junho de 2008

A cruz

Numa noite, depois do apocalipse, os sobreviventes enfim resolveram abandonar suas casas, sob um medo terrível da Fúria Divina. Quando finalmente puseram os pés na rua, puderam observar que estava tudo diferente, como se suas casas estivessem sido transferidas quase que milagrosamente para o alto de um planalto, donde se via quase todo o mundo, e podia-se contemplar toda a destruição causada pela Cartada Final da Sabedoria Divina. Observou-se ainda que, ali no alto, além das casas, haviam cruzes de madeira, bem grandes e possível e extremamente pesadas. Então, do nada, ouviu-se um voz, de uma magnitude esplendorosamente pura, diria Divina, pra ser mais preciso. A voz, eloqüente, dizia:

"Cada um de vós, que sobreviveu a todas as provações, são os Meus, escolhidos por suas vidas dedicadas ao próximo, ao amor e a caridade. Mas, a última provação ainda está por vir. A salvação é uma cruz, com um caminho tortuoso a se percorrer. E só a paciência vos salvará. Então, sigam na direção do vento que sopra, cada um carregando uma dessas cruzes que estão a ver."

A Voz cessou, e então cada um de nós pegou uma cruz. Seguimos o vento. O caminho era realmente tortuoso, cheio de falhas e perigos, ervas urticantes e espinhos, e a cruz era demasiadamente pesada, de uma madeira com qualidade antes nunca vista. Parecia indestrutível.

Porém, um dos colegas, que carregava um artefato metálico pequeno, resolveu ir disfarçadamente tirando pequenas lascas da cruz, com o objetivo de reduzir seu peso. Em princípio a idéia parecia boba, mas com o tempo, o peso foi realmente diminuindo e o ritmo do passo melhorando. As pessoas, exaustas, não entendiam como o rapaz conseguia extrair tanta força de seu corpo debilitado, maltratado pelos intensos dias de frio, fome e escuridão, enfrentados outrora.

Ao passar de alguns dias de caminhada, a cruz do homem estava visivelmente menor. Alguns outros haviam desistido das jornada, outros simplesmente sucumbiram de exaustão. Ele então concluiu que Deus o estava perdoando, e que o segredo da caminhada seria o discernimento para administrar o peso que carregas. Dizia ele: "Deus nos deu inteligência, e a pôs a prova nesse momento. Portanto, vamos chegar lá, usando o mais precioso dos dons que herdamos da Divina Criação."

Alguns dos viajantes resolveram aderir a idéia. Outros não. E assim foi, até o final do último dia, quando finamente chegaram a um rio, com uma intensa correnteza. A voz Divina então os confidenciou novamente:

"Vocês que chegaram aqui, trouxeram seu fardo para consigo. Agora, usem as suas cruzes para atravessar o rio. Apenas confiem na cruz que Eu vos dei, ela é perfeita, da madeira ideal, retirada dos Jardins Sagrados. Foram talhadas de tal forma a ficarem sobre a água e transportá-los em segurança à outra margem, onde estão os portões do Paraíso. Venham e compartilhem hoje da maior das virtudes que Eu vos dou."

E aqueles que estavam com suas cruzes reduzidas a pedaços de madeira, nunca puderam contemplar a beleza da outra margem.

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Esse texto é um conto que ouvi de meu avô em algum "adro da memória", como disse o colega Luciano Mello...

Amo você muito, seu Arlindo.

Um comentário:

Beta Schmitz disse...

coisa linda...
como tu tá?
manda noticias guri!
saudades!!
bjs